quarta-feira, março 17, 2010

ARBITRAGEM E OS JOVENS

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Se há uma área sensível no mundo do futebol, essa área terá de ser a da arbitragem. Muito criticados de uma forma quase geral e muitas vezes sem sentido, as camadas jovens não são neste capítulo excepção, numa fase em que no que diz respeito a questões disciplinares, o atleta tem também de ser "educado".

E poderão os árbitros ter um papel importante nesse aspecto de aprendizagem de um jovem jogador de futebol? Nesse sentido, a Academia de Talentos procurou saber junto de três árbitros, presenças habituais nos jogos das camadas jovens do futebol português, quais as melhores formas de criar uma boa relação dentro de campo com estes jovens jogadores, muitos deles na idade da irreverência, o que pode complicar o trabalho dos árbitros.

Um dos aspectos mais discutidos será o de saber se a arbitragem pedagógica será ou não uma solução tendo em conta os jovens atletas. "Acredito que é uma boa ferramenta para alertar os jogadores de comportamentos menos correctos ou infracções que comentam por descuido, mas que, por vezes, não é aceite por todos os intervenientes", começou por nos explicar Ricardo Baixinho, árbitro de 22 anos da AF Lisboa, no activo desde 2003/2004, e que está neste momento na 3ª categoria nacional.

Também Adriana Correia, de 21 anos e na arbitragem desde 2002/2003, defende que este tipo de arbitragem terá de ser utilizada quando se fala de jovens atletas. "Sermos pedagógicos implica que possamos interagir com os jovens de uma forma mais cordial e muitas vezes conseguimos com que muitas atitudes sejam evitadas. Infelizmente muitas vezes essa pedagogia tem de ser aplicada em casa e pelos próprios treinadores, e é complicado quando treinadores e árbitros tentam ser pedagógicos e tudo isso é em vão devido ao facto de, em casa, por vezes não terem sequer apoio", começa por dizer.

Se no futebol sénior acontece, nas camadas jovens certamente que os árbitros terão de lidar ainda mais com alguma irreverência de alguns jogadores, própria da idade que atravessam durante uma fase da sua formação. Neste campo, "o maior pedagogo deveria ser o treinador da equipa", defende Ricardo Baixinho, já que este é visto pelo jogador como "um exemplo a seguir". No fundo, Adriana Correia defende que o árbitro deve "primeiro tentar com que um jogador se aperceba e tome consciência dos erros que comete" e tentar que o próprio os corrija "da melhor forma", usando nesse sentido essa pedagogia e não simplesmente fazendo com que "aprendam a lição".

Outras das questões essenciais, seria saber se apitar um jogo das camadas jovens seria muito diferente de apitar um de seniores, mas neste aspecto, Ricardo Baixinho afirma que a distinção terá de ser feita "entre escalões", já que "um jogo de escolas de futebol 7 é bem diferente dum jogo de juniores de futebol 11". Mas no fundo, a única diferença será "ter muita atenção à experiência de cada jogador" no futebol sénior, "pois o comportamento individual muitas vezes determina o desenrolar do jogo". Já Nuno Mira, árbitro desde 1998/99, defende que os jogos terão pelo menos que ser encarados sempre da mesma forma: "Se não encararmos todos os jogos da mesma maneira, o jogo acaba por correr bastante mal, pois um jogo de seniores até pode ser mais fácil de apitar que um jogo de infantis", e dá como exemplo o facto de tratar sempre todos os jogadores, apesar das idades, por "Sr. Jogador".

O mesmo juiz mostra-nos também que nem sempre é fácil garantir uma boa junção entre a vida pessoal, profissional e de árbitro, e que por vezes as emoções podem complicar. "Foi das coisas com que mais tive de lutar desde que entrei na arbitragem, pois o querer fazer sempre tudo bem, não errar, fazer com que tenha boas notas, conciliar a arbitragem com a vida pessoal, foi sempre muito complicado", garante.

Uma mulher num Mundo "quase" de homens

Tão complicado, no mínimo, deve ser o facto de uma mulher conseguir viver e vingar num Mundo praticamente de homens, e Adriana Correia reconhece as dificuldades que tem de superar. "Não se pode considerar fácil, ou pelo menos não tão fácil como é para os homens, no sentido em que temos de fazer o dobro do esforço para alcançar as metas que os homens alcançam e também para demonstrar que podemos e valemos tanto quanto eles, conseguindo alcançar as metas propostas. Penso que, infelizmente, ainda há muito 'machismo' no mundo do futebol português, embora tenha de referenciar o facto de que, no seio da arbitragem, nunca me senti "inferiorizada" por colegas árbitros", defende.

Mesmo durante um jogo, o comportamento pode ser diferente, mas Adriana Correia garante que enquanto no que diz respeito a jogadores e técnicos há "mais condescendência e respeito pelo facto de ser uma mulher", já com os adeptos acontece precisamente o contrário em grande parte das ocasiões. "Quanto aos adeptos, o respeito não difere muito sendo um árbitro homem ou mulher, embora por vezes o respeito seja menor por uma mulher do que por um homem, muito devido ao facto desses adeptos discriminarem as mulheres no mundo do futebol", acrescenta.
Árbitro Ricardo Baixinho
As novas tecnologias como auxilio e a ligação entre a arbitragem e a corrupção

Nos últimos anos muito tem sido falada e discutida a possibilidade de haver casos de corrupção entre clubes e árbitros, o que em nada favorece a imagem de quem quer vingar nesta área do desporto. Ricardo Baixinho garante que tenta "evitar ao máximo qualquer comportamento a que possa ser imputado algum tipo de desconfiança infundada", e para isso o mais importante será levar "todos os jogos com o maior grau de seriedade possível", e mesmo alguns sacrifícios a nível pessoal.

Também um assunto muito em voga hoje em dia seria a inclusão de novas tecnologias na arbitragem, algo que Nuno Mira considera ser "um assunto sensível". O árbitro assume que as "tecnologias são evolução""absurdo dizer que elas não podem ajudar o futebol". Apesar da renitência inicial, Nuno Mira acredita que "cada vez mais será impossível fugir dessa rota". "Pessoalmente, penso que o nosso futebol, em termos de tecnologia devia aproximar-se do futebol americano, como muito já se falou e sempre que os treinadores quiserem protestar uma decisão, ir ver-se a repetição, com possível penalização ou não para essa equipa caso tenham ou não razão. Não será muito viável, pois essa decisão terá sempre de ter alguém a decidir e como todos sabem, mesmo hoje em dia, existem muitos lances que mesmo com carradas de câmaras e ângulos, não se chega a um consenso, por isso, o que aconteceria era que em vez de protestarem as decisões do árbitro, na semana seguinte, iria-se contestar as decisões dessas pessoas responsáveis em decidir esse tipo de lances. No caso dos sensores nas botas, bolas, ou balizas, para análises de golos duvidosos e foras de jogo acredito mais que a curto prazo possa vir a aparecer", defende.

Outras das situações complicadas das equipas de arbitragem são sempre os adeptos, e o futebol juvenil não é excepção. Nuno Mira admite viver "bem com isso", e que não altera em nada o seu comportamento. "A maioria das vezes nem sequer estou a 'ouvir' realmente as conversas, é como se os meus ouvidos estivessem surdos para a bancada e só ouvisse 'ruído'. O que no fundo até gosto de sentir, pois é bastante melhor um jogo com 'emoção' do que sem ela, principalmente em jogos mornos e/ou mal disputados, mas sinto principalmente que influenciam os jogadores nas suas atitudes, pois a partir do momento em que quem os educa e os instruem em casa com os deveres morais e sociais os incentivam a darem cacetada nos adversários. Eles em vez de se acalmarem quando sofrem alguma falta e pensarem apenas que se jogam futebol estão sujeitos aquelas situações, ainda se enervam mais e é como tivessem a 'bênção' dos próprios progenitores para fazerem a única coisa que não devem fazer, até porque depois em muitos casos são os únicos que são advertidos ou expulsos pois a falta que foi cometida anteriormente pelo adversário nem é merecedora de sanção disciplinar, o que depois é compreendido perfeitamente por todos", explica o árbitro.

Dificuldades e as referências na arbitragem

Sujeitos a todas estas pressões e condicionantes, questionámos ainda aos nossos três entrevistados quais foram os momentos mais delicados que tiveram de lidar nos anos que levam no futebol. Ricardo Baixinho refere que na sua "curta carreira", já teve "momentos mais complicados", mas que nenhum deles "merece ser descrito". Já Adriana Correia lembra duas situações bem distintas: "nos meus primeiros meses de árbitra (há sensivelmente sete anos), em que um massagista me tentou agredir, devido a um erro que ele reclamou durante o jogo. Nesse jogo encontrava-me como Árbitro Assistente", começa por dizer. "Segunda situação insere-se numa lesão que tive que foi causada por um jogador, entrando em carrinho e embateu com os pitons no meu joelho, embora sem o propósito de tal. Tal lesão fez com que estivesse parada durante 8 meses. Foram duas situações muito delicadas, embora com causas e consequências diferentes", recorda.

Nuno Mira recorda uma situação que, embora não tenha sido directamente com ele, o fez reflectir no "ridículo a que o futebol chega" em determinadas situações. "Num jogo em que eu era o árbitro assistente e um treinador depois de ser expulso, entrou em campo, dirigiu-se ao árbitro que era o meu chefe de equipa, e deu-lhe um murro", recordou, deixando no entanto a ideia de que esse episódio foi "um acto isolado", e que todos os outros aspectos bons "superam" os menos positivos.

Para terminar, Pedro Proença terá de ser um nome a considerar na arbitragem portuguesa, considerado o melhor árbitro da actualidade tanto por Ricardo Baixinho, como por Adriana Correia, que lhe destaca "o rigor e qualidade impostos em cada jogo". Já Nuno Mira, prefere enaltecer dois nomes que foram muito importantes na sua carreira. "José Almeida Quitério da 2ª categoria Nacional e João Capela da 1ª categoria Nacional. Devo a eles grande parte do que aprendi até hoje", os dois chefes de equipa que teve até ao momento, e a quem reconhece a máxima dedicação e profissionalismo.

Texto: Redacção Academia de Talentos

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